terça-feira, 23 de junho de 2009

Alvorada.


Ao olhar para os primeiros raios de sol que surgiam, Mel remexeu-se quase imperceptivelmente. Seus dedos crisparam-se, revelando uma enorme inquietação interior. O seu cabelo, antes muito bem cuidado, tinha um castanho fosco, despenteado, sem vida. A vida, a vida dela não era mais a mesma desde que ele fora embora. Sem que ela pudesse controlar, seu pensamento cruzou o tempo, mostrando lembranças de momentos felizes. Soluço. Gosto de sal na boca.
A alvorada se pronunciava. A bela moça de cabelos cor de cobre olhou para o céu cheio de nuvens. Lindo. Uma visão inesquecível. Um dos melhores momentos de sua vida. Só para confirmar, virou a cabeça, os olhos procurando aquele que era a razão de sua felicidade. Um sorriso dele aqueceu seu coração e fez arrepiar seus braços. O rapaz envolveu-a em um abraço forte, longo, que quase a deixou sem respirar. Ela adorava esse abraço. Os dois pareciam feitos um para o outro. A moça aninhou-se ainda mais nos braços daquele que mudara sua vida. Marco transformara um mar de dor em felicidade. Nada poderia destruir essa felicidade. Nada.

Apenas uma lembrança. O pensamento passou como um choque pelo corpo da moça. Lágrimas correndo por um rosto bonito, jovem, coberto por um espesso cabelo castanho, muito bem cuidado. A face revelava um ódio contínuo, ferido, daqueles que nem o tempo pode apagar. Seus olhos gritavam o que nem mesmo palavras tinham poder de expressar. Ela jamais conseguira esquecer aquele olhar. Sentia-se mal cada vez que lembrava. Aquele olhar a fazia sentir-se uma traidora, uma criminosa, uma ladra.
Mel odiava aquela que roubara sua felicidade. Mal podia acreditar que, depois de tantas juras de amor, tantos beijos, tantos abraços que a deixavam sem fôlego, Marco a deixara por outra. De um dia para o outro, sem sobreaviso. Simplesmente se fora, deixando uma tulipa vermelha como último presente. A flor não sobrevivera nem cinco minutos depois de sua partida. Mel a rasgara como Marco rasgara seu coração. Agora, naquelas primeiras horas da manhã, enquanto ela chorava e sofria por um amor que não a merecia, ele estava com outra.

Ela sentira-se como a outra. Mas não por muito tempo. As palavras de Marco, seus presentes, seus olhares a tornaram a única, aquela que tinha seu coração. O remorso que sentira por tirar o rapaz de outra diminuíra, ficando apenas a lembrança daquele rosto. Nem mesmo o nome ela lembrava.

Mel lembrava. Lembrava de todos os detalhes. A outra era bonita, olhos verdes, cabelos com uma cor de cobre exótica, inesquecível. Marco não tinha como resistir. Talvez tivesse. Se a amasse de verdade, ele teria resistido. Mas por que ela não conseguia esquecê-lo? Por que as lembranças a perseguiam como flechas rasantes, cortando seu corpo pouco a pouco? Ela não sabia mais o que fazer. Só restava esperar a dor passar. Esperar que o dia que começava trouxesse coisas boas, sorrisos, quem sabe um novo amor. Esperar que aqueles primeiros raios de sol sejam prenúncios de um tempo melhor. Esperar.

Marco precisava sair. Júlia não queria deixar. Queria ficar em seus braços apenas um pouco mais. Ele desvencilhou-se dela, carinhosamente, com cuidado e foi arrumar-se. Ela foi para a varanda, contemplar o resto da alvorada. O calor vindo de lá era incomparavelmente inferior ao do corpo de seu amado, mas ainda assim era bom. Júlia permitiu-se devanear, aproveitar cada momento de sua felicidade. Nada poderia destruí-la. Nada.
Marco estava pronto. Silencioso como sempre, deixou uma lembrança em cima da cama. Olhou para a varanda, como para memorizar aquela última imagem. Júlia linda, numa varanda incrível, contemplando a alvorada. Essa ele nunca ia esquecer. Sem um ruído, o rapaz saiu porta afora. Em cima da cama, refletindo os raios de sol, estava uma flor. Uma tulipa vermelha.




Outro qualquer.

3 comentários:

Lidia Almeida disse...

Li duas vezes mas acho que preciso ler mais umas 5....

Mel, Júlia, Marco, Outro Qualquer, Eu mesmo, Apenas alguém... ficou tudo um pouco confuso por aqui.

hehehehe =D

Duillys Chaves disse...

leia quantas vezes precisar. temos todo o tempo necessário.

Lidia Almeida disse...

a traição dó demais, né?! Não apenas ser "trocada por outra".. mas perceber que tudo que foi vivido era apenas uma criação bonita do seu proprio consciente... how sad...